A seguir, transcrevo uma memória de Sebastião de Magalhães Lima (Rio de Janeiro, 1850 – Lisboa, 1928), intelectual português, sobre Louise Michel. O texto foi publicado na obra Episódios de minha vida (vol. II), no capítulo “Obreiros da civilização”.
“Com profunda comoção recordo e presto culto piedoso à memória de alguns dos meus mestres mais queridos e amados.
(…)
LOUISE MICHEL
Estive em sua casa, Rua de Victor Hugo, 95. Era um modesto quarto andar, muito arejado, alegre, onde se desfrutava a deliciosa paisagem de Neuilly e de outros arrabaldes de Paris.
Mademoiselle Louise era de uma simplicidade encantadora, no seu viver doméstico. Rarissimamente saía de casa, a não ser quando tinha de fazer alguma conferência no salão do Boulevard des Capucines.
Quando batemos à porta do seu quarto andar havia, dentro de casa, um ruído de todos os diabos. Eram dois ou três cães que ladravam, um papagaio que berrava, um gato que miava, um inferno, uma verdadeira ménagerie…
Xavier de Carvalho explicou-se o estranho e singular espetáculo:
— Cada um destes animais tem a sua história — disse-nos ele. — Vê este gato? Estava condenado. Uns rapazes haviam-no dependurado pelo pescoço, com o fim de o matarem à pedrada. Louise Michel, que passava casualmente, condoeu-se do triste animal e levou-o para casa. O gato está hoje gordo e nédio, assim como os cães, que também têm a sua lenda e as suas tradições.
Louise Michel era de uma bondade extrema. [Henri] Rocheford enviava-lhe mensalmente cem francos, que ela distribuía pelos miseráveis com um ardor verdadeiramente evangélico.
Não temos a mínima intenção de discutir aqui a mulher política. Louise Michel foi apreciada de modos diversos e variados: havia uma coisa, porém, em que todos estavam de acordo, ainda mesmo os seus inimigos – era no reconhecimento das suas generosas qualidade de espírito e de coração.
Havia quem a considerasse uma doida, uma exaltada, uma fanática; mas ninguém deixava de fazer justiça ao seu talento e à sua honestidade.
— Quando chegará o grande dia? — dizia-nos ela em tom comovido. — E se as coisas regulassem de modo a fazer-se a Revolução em todos os países à mesma hora?… Era esse o seu maior desejo…
Nestas poucas palavras, proferidas com uma simplicidade verdadeiramente infantil, revelou-se-nos a mulher fanática, a Virgem Vermelha, em toda a magnanimidade do seu grandíssimo coração.
Ao terminar estas linhas, depara-se-me um artigo do vibrante jornalista F. da Silva Passos, que completa o meu pensamento:

Retirado de: LIMA, Magalhães. Episódios da minha vida (vol. II). Lisboa: Perspectivas & Realidades, 1985, pp. 33; 77-79.